Repasses de R$ 450 milhões em emendas pix entram na mira do MPF

Repasses de R$ 450 milhões em emendas pix entram na mira do MPF

Brasil Unido


 O Ministério Público Federal (MPF) intensificou suas investigações sobre os repasses de emendas parlamentares conhecidas como "emendas pix". Nos últimos meses, ao menos R$ 450 milhões foram transferidos por deputados e senadores a centenas de municípios brasileiros, sem transparência suficiente sobre a destinação desses recursos. Diante do potencial explosivo da situação e do temor de novos escândalos de corrupção, o MPF abriu 229 procedimentos administrativos para fiscalizar repasses realizados a 224 cidades de oito estados, envolvendo ao menos 114 parlamentares.


A principal preocupação das autoridades é a falta de critérios na distribuição dessas emendas, o que tem resultado em repasses desproporcionais entre cidades de diferentes portes. Entre os municípios que receberam valores elevados estão Carapicuíba (SP), Boa Vista (RR), Bonfim (RR), Osasco (SP) e Caroebe (RR). A discrepância é evidente, já que algumas dessas cidades possuem menos de 15 mil habitantes, enquanto outras ultrapassam os 700 mil, sem que haja justificativa clara para os valores destinados.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) já solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão desse tipo de transferência, argumentando que as emendas pix ferem os princípios constitucionais de transparência e rastreabilidade. Em resposta, o STF determinou que os repasses só poderiam continuar caso as prefeituras apresentassem previamente um plano detalhado de utilização dos recursos e movimentassem os valores em contas específicas.

Os prefeitos das cidades investigadas foram notificados a prestar contas sobre como o dinheiro foi gasto e a fornecer detalhes das contas bancárias utilizadas. Caso sejam identificadas irregularidades, os procedimentos podem evoluir para inquéritos formais contra os gestores municipais. Já os parlamentares só podem ser investigados pelo STF, mediante solicitação da PGR.

Atualmente, há pelo menos 15 investigações no Supremo envolvendo deputados e senadores por suspeita de uso indevido de recursos públicos. As apurações estão distribuídas entre seis ministros do tribunal e podem resultar em desdobramentos políticos e judiciais significativos.

Além dos procedimentos que já estão em andamento, há outros 234 casos sob análise do MPF, embora ainda sem detalhamento sobre os parlamentares envolvidos ou os valores exatos repassados. Estimativas feitas por meio da plataforma Siga Brasil indicam que o montante total pode ultrapassar R$ 1 bilhão.

A prática das emendas pix vem crescendo de forma acelerada. Em 2024, foram destinados R$ 7,7 bilhões por meio desse mecanismo, um aumento expressivo em comparação aos R$ 621 milhões registrados em 2020. Esse crescimento preocupa especialistas e órgãos de controle, já que, ao contrário de outros modelos de emenda parlamentar, as transferências especiais não exigem convênios ou contratos com o governo federal, o que dificulta a fiscalização e o controle sobre o destino final dos recursos.

Os procuradores argumentam que essa modalidade reduz a capacidade do Estado de monitorar a aplicação das verbas públicas e pode se tornar um instrumento de corrupção. Para tentar conter possíveis irregularidades, a PGR implementou uma estratégia de monitoramento preventivo, em vez de aguardar denúncias formais para iniciar as investigações. O objetivo é acompanhar em tempo real o uso desses recursos e garantir que sejam empregados de maneira correta.

A falta de critérios objetivos na destinação das emendas também tem gerado críticas. Enquanto municípios como Carapicuíba, com 386 mil habitantes, receberam R$ 23,5 milhões, outras cidades menores, como Bonfim (RR), com apenas 13,9 mil moradores, receberam R$ 16,7 milhões. Osasco, um dos maiores municípios beneficiados, recebeu R$ 16 milhões, enquanto Caroebe, com 10,6 mil habitantes, recebeu R$ 14,2 milhões. Essa disparidade levanta suspeitas sobre a real motivação dos repasses e se há interesses políticos por trás das destinações.

Os principais responsáveis pelos repasses na mira do MPF são os senadores Dr. Hiran (PP-RR), Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Chico Rodrigues (PSB-RR), além dos deputados Marco Feliciano (Republicanos-SP) e Gabriel Mota (Republicanos-RR). Juntos, eles direcionaram R$ 121 milhões a mais de 30 cidades. Os parlamentares, por sua vez, alegam que as transferências garantem autonomia para que os municípios atendam suas necessidades locais.

Os partidos que mais destinaram recursos por meio das emendas pix são os que compõem o chamado "Centrão". Republicanos, União Brasil, Progressistas, Partido Liberal e PSD foram responsáveis por aproximadamente R$ 310 milhões em repasses para as cidades investigadas. Esse dado reforça a tese de que as emendas têm sido utilizadas para fortalecer redutos eleitorais e consolidar alianças políticas.

Além dos problemas de transparência e disparidade nos repasses, especialistas apontam que as emendas pix podem comprometer a sustentabilidade financeira dos municípios a longo prazo. Humberto Nunes Alencar, analista de planejamento e orçamento do governo federal, explica que muitos prefeitos utilizam esses recursos para investir em novas obras, como escolas e hospitais, mas não garantem o custeio futuro dessas estruturas. Como consequência, esses estabelecimentos podem acabar sucateados por falta de verba para manutenção e pagamento de funcionários.

Segundo o especialista, essa falta de planejamento pode gerar um efeito negativo para a população. Enquanto novas construções são inauguradas, as estruturas já existentes podem se deteriorar por falta de investimento contínuo. Além disso, como a destinação dos recursos depende da decisão dos parlamentares, não há garantia de que os municípios receberão novos repasses no futuro para manter os serviços em funcionamento.

A investigação do MPF sobre as emendas pix deve continuar nos próximos meses, podendo resultar em novas ações judiciais e reforçando o debate sobre a necessidade de reformular esse tipo de repasse. Para órgãos de controle e especialistas, a prioridade deve ser garantir transparência e responsabilidade no uso dos recursos públicos, evitando que verbas federais sejam utilizadas sem critérios claros e sem fiscalização adequada.
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