Desde 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem deixado de fornecer de forma transparente informações sobre viagens feitas por seus ministros em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). A prática vai de encontro à Lei de Acesso à Informação (LAI) e tem gerado críticas quanto à falta de transparência da mais alta Corte do país.
Ignorando Prazos e Respondendo Só Após Pressão
De acordo com matéria publicada neste domingo (11) pela Folha de S.Paulo, o STF não respondeu dentro do prazo legal a dois pedidos feitos com base na LAI, datados de fevereiro e março de 2024. Somente após insistentes cobranças da imprensa, por meio de contato direto com a assessoria do tribunal, é que as respostas começaram a ser encaminhadas.
Mesmo com esse atraso e após pressão externa, as informações prestadas pela Corte foram incompletas. Os dados entregues não especificam quais ministros embarcaram nas aeronaves da FAB, tampouco revelam a identidade de outros passageiros a bordo. A única exceção parcial foi o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, cujas viagens tiveram alguns dados divulgados. Ainda assim, os nomes de seus acompanhantes permanecem sob sigilo.
Registros Vagos e Justificativas Baseadas em Segurança
Grande parte dos deslocamentos feitos pelos ministros foi registrada oficialmente como “à disposição do Ministério da Defesa”. Essa classificação encontra respaldo em um decreto presidencial de 2020, que permite o uso de aviões da FAB para autoridades sob alegação de segurança. Nesses casos, o fornecimento de detalhes pode ser dispensado, segundo o decreto.
Essa justificativa tem sido usada com frequência pelo STF, o que dificulta o acesso a informações que, por natureza, deveriam ser públicas. A recorrência desse tipo de registro, no entanto, levanta questionamentos sobre o uso da norma como instrumento de ocultação deliberada de dados.
A Transparência Comprometida e a LAI Desrespeitada
A Lei de Acesso à Informação, em vigor desde 2012, estabelece que órgãos públicos devem disponibilizar dados de interesse coletivo, respeitando prazos e critérios claros. O objetivo é garantir o controle social e a fiscalização por parte da sociedade. Quando uma instituição como o STF falha em cumprir esses princípios, ela compromete não apenas a própria imagem, mas também a confiança da população nas instituições democráticas.
A falta de clareza sobre o uso de aeronaves da FAB por ministros da Suprema Corte representa um retrocesso nos avanços conquistados pela sociedade civil na luta por mais transparência e responsabilidade no uso dos recursos públicos.
STF Já Tinha Histórico de Omissões
Essa não é a primeira vez que o STF é criticado por não cumprir totalmente a LAI. Em outros episódios, informações solicitadas por jornalistas e cidadãos foram fornecidas de forma incompleta ou com atrasos significativos. A recorrência dessa prática levanta suspeitas de que o descumprimento não se trata de um fato isolado, mas sim de uma postura institucionalizada de opacidade.
A dificuldade em acessar informações básicas, como destinos, horários, finalidades e passageiros de voos oficiais, compromete a transparência e levanta dúvidas sobre a real motivação por trás de determinadas viagens.
Viagens Oficiais ou Passeios Privados?
Sem a divulgação de dados detalhados, torna-se impossível para a sociedade saber se os voos realizados têm relação com atividades institucionais legítimas ou se estão sendo utilizados de forma indevida, para fins pessoais ou particulares. A falta de prestação de contas pode abrir margem para abusos, como o uso de recursos públicos sem justificativa compatível.
Esse tipo de suspeita já pairou sobre outras autoridades no passado, o que torna ainda mais urgente a necessidade de prestação de contas claras por parte do Judiciário — especialmente do Supremo Tribunal Federal, que deveria dar o exemplo.
Descompasso com Outras Instituições
Enquanto o STF opta por não divulgar informações completas, outros poderes da República têm demonstrado maior abertura. O Poder Executivo, por exemplo, embora também tenha falhas, tem ampliado os dados disponíveis sobre deslocamentos de autoridades. O Congresso Nacional, em alguns casos, também tem respondido de forma mais ágil e completa a pedidos via LAI.
A postura do STF, portanto, se destaca negativamente quando comparada a outras instituições. Isso reforça a impressão de que há uma blindagem em torno dos ministros da Corte, em desacordo com os princípios republicanos.
Pressão da Imprensa e da Sociedade Civil
A resposta parcial do STF só foi possível graças à insistência da imprensa, que tem desempenhado papel fundamental na cobrança por transparência. Sem a atuação ativa de jornalistas e veículos comprometidos com o interesse público, muitas dessas informações provavelmente continuariam escondidas.
Além disso, organizações da sociedade civil que atuam em defesa da transparência e do controle social têm alertado para a importância de respeitar a LAI, especialmente por instituições que concentram poder, como o STF.
O Que Pode Mudar?
Diante da repercussão da matéria, é possível que aumente a pressão para que o STF reveja sua conduta em relação ao acesso à informação. A expectativa é que a Corte adote medidas para garantir maior clareza nas respostas e cumpra os prazos legais previstos na legislação vigente.
Medidas como a publicação regular de relatórios com informações sobre viagens, o detalhamento dos voos com datas, destinos e acompanhantes, além de justificativas institucionais, poderiam contribuir significativamente para a transparência e fortalecer a confiança pública no STF.
Conclusão
O uso de recursos públicos por autoridades, especialmente em voos da Força Aérea Brasileira, deve ser sempre acompanhado de rigoroso controle e transparência. Quando uma instituição como o STF opta por esconder dados que deveriam ser públicos, ela mina a credibilidade que sustenta sua autoridade moral e institucional.
A sociedade brasileira, que custeia as despesas do Estado, tem o direito de saber como seus recursos estão sendo utilizados — e o Supremo Tribunal Federal tem o dever de dar o exemplo.