A Polícia Federal está se preparando para convocar o ex-presidente Jair Bolsonaro a fim de prestar esclarecimentos sobre uma ligação telefônica feita ao senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS). O telefonema aconteceu na véspera do depoimento do general ao Supremo Tribunal Federal (STF) e tem gerado desconforto nos bastidores do Judiciário. A principal preocupação gira em torno de uma possível tentativa de interferência nas investigações em curso.
Segundo fontes próximas ao caso, a conversa entre Bolsonaro e Mourão aconteceu na semana passada e teria tido um teor considerado estratégico. A suspeita é de que Bolsonaro orientou o senador a destacar determinados pontos durante sua oitiva no Supremo, de forma a favorecer a narrativa de sua defesa. A própria declaração de Mourão reforçou a desconfiança: ele confirmou que o ex-presidente lhe pediu para frisar, entre outros aspectos, que jamais presenciou qualquer declaração que sugerisse uma ruptura institucional por parte do alto comando militar ou de figuras ligadas ao governo anterior.
Conversa considerada suspeita por autoridades
Embora o senador Mourão tenha minimizado o episódio e dito que a conversa com Bolsonaro foi “genérica”, a ligação levantou suspeitas entre autoridades do Judiciário e da cúpula da segurança institucional. Membros do STF, da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Polícia Federal passaram a avaliar o episódio com cautela. Nos bastidores, há quem considere a possibilidade de que o telefonema possa configurar obstrução de Justiça, caso fique comprovado que a intenção era influenciar o conteúdo do depoimento de Mourão ao Supremo.
Fontes da alta cúpula da PF ouvidas pelo portal Metrópoles, sob condição de anonimato, afirmaram que há uma grande probabilidade de Bolsonaro ser formalmente convocado nos próximos dias. “Existe grande chance de ele ser ouvido”, disse uma dessas fontes, destacando que o episódio é tratado com seriedade e pode se somar a outros elementos investigativos já em curso contra o ex-presidente.
Bolsonaro na mira da PF em outros inquéritos
Além dessa possível convocação para esclarecer o contato com Hamilton Mourão, Jair Bolsonaro também é investigado em outros processos conduzidos pela Polícia Federal. Um dos principais inquéritos em andamento apura o envolvimento do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, em ações realizadas nos Estados Unidos. Segundo as investigações, Eduardo teria atuado para pressionar autoridades norte-americanas a adotar sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal.
A Polícia Federal entende que, se comprovadas, essas ações podem configurar um esforço coordenado para deslegitimar o Judiciário brasileiro e interferir no funcionamento das instituições democráticas. Nesse contexto, Bolsonaro poderá ser chamado a depor também nesse segundo inquérito, visto que teria conhecimento e, possivelmente, participação na articulação liderada por seu filho.
Clima de tensão entre Judiciário e aliados do ex-presidente
O clima nos bastidores do poder tem sido de tensão crescente. A sequência de investigações envolvendo Jair Bolsonaro e seus aliados diretos acende um alerta sobre o grau de articulação política e jurídica de figuras que integraram o governo anterior. A ligação ao senador Mourão, embora aparentemente simples à primeira vista, ganha contornos mais sérios quando analisada sob a perspectiva institucional.
Para ministros do STF e integrantes da PGR, a tentativa de alinhar discursos em depoimentos oficiais é uma afronta direta à autonomia do Judiciário. Ainda que Mourão tenha buscado reduzir a importância da conversa com Bolsonaro, o momento em que ela ocorreu — justamente na véspera da oitiva — levanta dúvidas sobre sua real motivação.
General Mourão tenta se distanciar do episódio
Desde que a informação sobre o telefonema veio à tona, o senador Hamilton Mourão tem adotado uma postura de distanciamento. Em declarações à imprensa, ele afirmou que a conversa teve teor “absolutamente informal” e que não recebeu nenhuma orientação direta para mentir ou ocultar informações. Ainda assim, admitiu que Bolsonaro sugeriu que ele enfatizasse pontos específicos considerados estratégicos.
O problema, segundo especialistas em direito penal, é que qualquer tentativa de induzir um depoente a moldar sua narrativa em função de interesses de terceiros pode ser interpretada como tentativa de obstrução. E isso se agrava ainda mais quando há investigações sensíveis em andamento, como é o caso das apurações sobre a conduta de militares e autoridades do governo anterior em relação a possíveis ataques à ordem democrática.
Investigação pode se ampliar
Com a possível convocação de Bolsonaro para prestar esclarecimentos, o escopo da investigação pode se expandir. A Polícia Federal poderá cruzar dados, ouvir testemunhas e, eventualmente, solicitar acesso a registros telefônicos para verificar se houve outras conversas semelhantes com outros parlamentares ou aliados.
Além disso, há um interesse crescente em entender até que ponto o ex-presidente tem atuado nos bastidores para influenciar depoimentos e decisões políticas que possam impactar diretamente seu futuro jurídico. Caso novas evidências surjam, o cerco legal pode se fechar ainda mais sobre Bolsonaro.
Repercussão política
O episódio também repercutiu no meio político. Parlamentares da oposição criticaram o conteúdo da conversa entre Bolsonaro e Mourão, apontando que se trata de mais um capítulo na tentativa do ex-presidente de desestabilizar o funcionamento das instituições. Já aliados de Bolsonaro classificaram a reação das autoridades como “exagerada” e disseram que não há ilegalidade em uma conversa entre duas figuras públicas.
Nos próximos dias, é esperado que a PF tome novas medidas, incluindo a formalização da convocação do ex-presidente para prestar esclarecimentos. O caso continuará a ser acompanhado de perto por autoridades e pela opinião pública, que observa atentamente os desdobramentos envolvendo um dos líderes políticos mais controversos da história recente do Brasil.