O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) foi palco de um momento de surpresa nesta quarta-feira (4), protagonizado pelo ministro André Mendonça. Durante a sessão, o magistrado informou que não finalizaria naquele dia a leitura de seu voto no julgamento que discute a responsabilidade das plataformas digitais sobre os conteúdos publicados por terceiros. A decisão do ministro pegou seus pares de surpresa e gerou reações discretas, mas visivelmente surpresas entre os demais integrantes da Corte.
Mendonça sinalizou ainda que a leitura de seu posicionamento deve se estender até a quinta-feira (5), ocupando dois dias inteiros da pauta do STF. A atitude incomum de prolongar a apresentação do voto gerou burburinhos e refletiu um clima de tensão e expectativa no ambiente do Supremo.
Leitura integral do voto surpreende plenário
Apesar de ter a possibilidade de apresentar um resumo de seu posicionamento — algo que outros ministros frequentemente fazem para agilizar os julgamentos —, Mendonça escolheu um caminho mais meticuloso: a leitura integral, página por página, de seu voto. A escolha foi interpretada como uma demonstração de comprometimento com a complexidade do tema, mas também como um ato que exigirá mais tempo do que o esperado para a conclusão do julgamento.
O gesto do ministro foi interpretado como incomum até mesmo para os padrões do STF, onde longas manifestações individuais não são raras. Ainda assim, a opção de estender sua fala por dois dias surpreendeu os colegas, que esperavam uma conclusão mais rápida para essa etapa do julgamento.
Tema em debate: a responsabilidade das plataformas digitais
O julgamento que está em curso no STF é considerado um dos mais relevantes do ano no campo da liberdade de expressão e da regulação das redes sociais no Brasil. A Corte analisa a constitucionalidade da exigência de ordem judicial prévia para que plataformas digitais sejam responsabilizadas por conteúdos ofensivos ou ilícitos publicados por seus usuários.
Na prática, a decisão do Supremo terá impacto direto sobre como empresas como Google, Meta (dona do Facebook e Instagram), X (antigo Twitter) e outras plataformas digitais deverão lidar com postagens de terceiros que violem a legislação brasileira ou causem danos a terceiros.
Votos já proferidos mostram divisão
Até o momento, três ministros já apresentaram seus votos: Luís Roberto Barroso, presidente do STF, além de Dias Toffoli e Luiz Fux. Os três magistrados entendem que é inconstitucional exigir uma decisão judicial como pré-requisito para responsabilizar as plataformas. Em outras palavras, eles consideram que, em determinadas circunstâncias, as empresas devem ser responsabilizadas diretamente, mesmo sem uma ordem judicial específica.
A posição desses ministros caminha no sentido de uma responsabilização parcial ou total das plataformas, de acordo com o grau de controle que exercem sobre os conteúdos e os mecanismos de moderação que possuem.
Segundo Barroso, por exemplo, a responsabilização deve ocorrer quando a plataforma for notificada sobre o conteúdo e não agir com a devida diligência para retirá-lo. Já Fux e Toffoli seguiram linha semelhante, apontando que a internet não pode ser um território sem lei e que é preciso proteger direitos fundamentais, como a honra e a dignidade das pessoas.
O impacto de um voto mais conservador
A expectativa em torno do voto de André Mendonça é alta, justamente porque o ministro costuma adotar posições mais conservadoras em julgamentos que envolvem temas sensíveis, como liberdade de expressão, direitos individuais e responsabilidade civil. Sua abordagem mais cautelosa e detalhista indica que sua manifestação poderá trazer nuances diferentes do que já foi apresentado até agora.
Caso Mendonça opte por uma interpretação que restrinja a responsabilização automática das plataformas, o placar do julgamento poderá ficar mais equilibrado, levando a um debate mais profundo sobre os limites da atuação das big techs no país. Por outro lado, se ele seguir a linha dos colegas que já votaram, poderá consolidar uma tendência no Supremo de maior controle sobre os conteúdos digitais.
Julgamento com repercussão geral
A relevância desse julgamento é tamanha que ele tramita com repercussão geral reconhecida, ou seja, o entendimento firmado pelo STF será aplicado a todos os casos semelhantes nas instâncias inferiores do Judiciário. Isso significa que a decisão da Corte terá efeitos amplos e vinculantes em todo o Brasil, sendo fundamental para definir o papel das plataformas digitais no cenário jurídico nacional.
A discussão também ocorre em meio a um contexto global de crescente pressão sobre as empresas de tecnologia, que vêm sendo cobradas por governos e organizações da sociedade civil para adotar medidas mais eficazes no combate à desinformação, discurso de ódio e violação de direitos fundamentais em seus ambientes virtuais.
Expectativas para a continuação do julgamento
Com a promessa de continuar a leitura de seu voto na quinta-feira, o ministro Mendonça deve ocupar boa parte da próxima sessão do STF, o que adiará ainda mais a conclusão do julgamento. Outros ministros ainda precisam se manifestar, o que pode levar a um desfecho apenas na próxima semana, a depender do ritmo da Corte.
Especialistas em direito digital e constitucional acompanham com atenção o julgamento, uma vez que o posicionamento do Supremo poderá influenciar a formulação de novas leis sobre o tema e também impactar projetos em discussão no Congresso Nacional, como o chamado “PL das Fake News”.
Conclusão: um julgamento que vai além do STF
Mais do que uma questão jurídica, o que está em jogo neste julgamento é o equilíbrio entre liberdade de expressão, responsabilidade das plataformas digitais e proteção dos direitos fundamentais no ambiente online. A escolha do ministro André Mendonça de se aprofundar em seu voto pode atrasar o desfecho, mas também demonstra a seriedade com que o tema está sendo tratado.
A decisão final do Supremo, embora ainda distante, será decisiva para traçar os rumos da regulação digital no Brasil — um campo cada vez mais delicado e estratégico em um mundo conectado por algoritmos, dados e discursos que impactam a vida real.