Durante novo depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), realizado nesta segunda-feira (9), o tenente-coronel Mauro Cid voltou a se tornar o centro das atenções no inquérito que investiga um suposto plano de golpe de Estado. No entanto, a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reagiu de forma dura às declarações prestadas, alegando que o militar apresenta “memória seletiva” e contradiz a si mesmo em pontos-chave da investigação.
Contradições no depoimento fortalecem defesa, dizem advogados
Para os advogados de Bolsonaro, Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno, a audiência desta segunda-feira foi, na prática, benéfica à defesa do ex-presidente. Segundo eles, o depoimento de quase quatro horas de Mauro Cid expôs diversas contradições em seu relato, o que pode fragilizar o papel do tenente-coronel como delator no processo.
– Cada vez que ele é confrontado com fatos, diz que esqueceu. Quando lhe convém, lembra com riqueza de detalhes. Isso caracteriza uma memória seletiva – afirmou Vilardi em conversa com jornalistas após a oitiva.
Cunha Bueno foi mais incisivo: – Mauro Cid? Qual deles? Porque a cada depoimento ele conta uma versão diferente. Hoje, felizmente, a sessão foi extremamente positiva para a defesa.
Áudio compromete narrativa de tentativa de golpe
Um dos momentos mais relevantes da audiência foi a apresentação, pela defesa de Bolsonaro, de um áudio gravado por Mauro Cid em 8 de novembro de 2022. Na gravação, ele relata que Bolsonaro havia, aparentemente, desistido de qualquer iniciativa para contestar o resultado eleitoral por meio de medidas extremas.
No trecho, Cid relata que Bolsonaro não demonstrou interesse em aplicar o polêmico artigo 142 da Constituição, frequentemente citado por apoiadores como justificativa para uma intervenção militar:
– Ontem o presidente praticamente desistiu de qualquer ação mais contundente. O general Pazuello foi até ele com ideias sobre o artigo 142, mas Bolsonaro não quis saber. Desconversou – diz Cid na gravação.
Segundo os advogados, esse áudio enfraquece a tese de que havia um plano coordenado para um golpe de Estado e mostra um presidente que, mesmo pressionado, optou por não tomar atitudes radicais.
Reunião com empresários vira novo ponto de polêmica
Outro elemento levantado no depoimento foi a suposta realização de uma reunião entre Bolsonaro e empresários, no dia 7 de novembro de 2022, um dia antes da gravação do áudio. Segundo Cid, nesse encontro, nomes como Luciano Hang (Havan), o fundador da rede Coco Bambu e Meyer Nigri (Tecnisa) teriam pressionado o então presidente a agir contra a vitória de Lula nas urnas.
No áudio, Cid relata que Bolsonaro teria dito que o governo petista “cairia de podre” e que os empresários poderiam ser prejudicados com a posse de Lula. No entanto, ao ser questionado sobre o conteúdo dessa gravação, Mauro Cid alegou não se lembrar da mensagem e nem mesmo da reunião.
– Não me recordo dessa mensagem… Talvez tenha sido para o general Freire Gomes – respondeu Cid de maneira vacilante, gerando nova onda de questionamentos sobre sua confiabilidade como testemunha.
Defesa questiona credibilidade do delator
Após o depoimento, Vilardi voltou a atacar a postura de Mauro Cid, classificando-a como inconsistente e cheia de lacunas.
– Estamos diante de alguém que mente abertamente em diálogo com um general do Exército. Ele fala de uma reunião que, pelo que sabemos, nunca aconteceu. É fácil se apresentar como delator quando se pode escolher o que lembrar e o que esquecer – criticou.
Ainda segundo os advogados, essa já seria a sétima vez em que Cid presta depoimento sobre o caso, com versões distintas a cada ocasião. Para a defesa, isso evidencia que o militar muda suas falas de acordo com a conveniência do momento.
Reação pública e impacto no processo
As falas dos defensores de Bolsonaro repercutiram amplamente, especialmente entre os aliados do ex-presidente que consideram Mauro Cid um traidor. O ex-ajudante de ordens, que inicialmente mantinha silêncio, passou a colaborar com as investigações em troca de um possível acordo de delação premiada.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) ainda avalia o peso dos relatos de Cid para fundamentar as denúncias. Contudo, com os questionamentos em torno de sua memória e a apresentação do áudio que contradiz a tese de golpe, a credibilidade do militar pode se tornar um ponto sensível no avanço do caso.
O contexto do artigo 142
Vale lembrar que o artigo 142 da Constituição Federal, frequentemente citado nas discussões sobre intervenção militar, não dá respaldo legal a ações de ruptura institucional. Especialistas e juristas são praticamente unânimes ao afirmar que esse dispositivo não autoriza as Forças Armadas a intervirem em processos democráticos.
A alegação de que haveria um embasamento jurídico para impedir a posse de Lula sempre foi tratada com ceticismo por instituições e analistas políticos. O áudio divulgado reforça a leitura de que Bolsonaro, mesmo diante da pressão de aliados, teria evitado aderir a qualquer iniciativa nesse sentido.
Conclusão: depoimento gera mais dúvidas que certezas
O depoimento de Mauro Cid, que era aguardado como um possível divisor de águas na investigação, acabou levantando mais dúvidas do que respostas definitivas. A defesa de Jair Bolsonaro conseguiu usar o próprio conteúdo trazido por Cid para questionar sua confiabilidade e expor possíveis invenções e omissões.
Enquanto o STF segue conduzindo as oitivas e apurando os fatos, o cenário continua envolto em incertezas. A figura de Mauro Cid, antes discreta, permanece no centro de um dos episódios mais controversos do pós-eleições de 2022. Resta saber se suas palavras terão o peso necessário para sustentar as acusações ou se cairão por terra diante das contradições apontadas.