A credibilidade de delações premiadas depende, acima de tudo, da clareza, objetividade e coerência de quem as faz. Quando essas premissas são deixadas de lado, a Justiça se transforma em palco de suposições, e a democracia, em silêncio, começa a sangrar. Foi exatamente esse o alerta feito pelo deputado estadual Cristiano Caporezzo (PL-MG), ao comentar os números e o conteúdo da delação do tenente-coronel Mauro Cid — ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ao trazer à tona a quantidade de vezes que Cid usou expressões de incerteza e falta de memória em sua delação, Caporezzo colocou em xeque a validade do depoimento. Os dados revelam mais do que simples hesitação: mostram uma delação construída sobre suposições, conjecturas e lacunas. E, diante disso, a pergunta que não quer calar é: como pode uma delação tão inconsistente sustentar acusações de tamanha gravidade?
Expressões de Dúvida: Um Raio-X da Delação
O deputado Caporezzo não fez acusações levianas. Ele trouxe números. Em um levantamento detalhado das falas de Mauro Cid, o parlamentar destacou as repetições de termos que denunciam uma falta de certeza inadmissível em um processo que pode influenciar o destino de lideranças políticas e instituições republicanas.
Confira os principais dados destacados:
- “Eu acho” foi utilizado 98 vezes;
- “Não sei”, 132 vezes;
- “Não me lembro”, 18 vezes;
- “Não me recordo”, 14 vezes;
- “Provavelmente”, 11 vezes.
Esses números por si só já revelam um padrão. A linguagem imprecisa, recheada de dúvidas e lapsos de memória, transforma a delação em um castelo de cartas — frágil, instável e propenso a ruir ao menor sopro de questionamento jurídico sério.
A Dedução Substituindo a Prova
Talvez o trecho mais emblemático da fala de Caporezzo tenha sido sua conclusão: “Foi uma dedução… Quando o direito vira objeto de dedução, a democracia sangra em silêncio.” A frase é forte e não deve ser subestimada. Ela toca no cerne de um problema que tem ganhado espaço nos tribunais e na mídia: a substituição da evidência pela suposição.
Deduções não são provas. Elas podem fazer parte do processo investigativo, mas jamais devem ser tomadas como verdades absolutas. Quando uma delação se baseia mais em “achismos” do que em fatos, o sistema de Justiça corre o risco de se transformar em um instrumento político, usado para perseguir ou intimidar adversários sob a roupagem da legalidade.
A Armadilha da Delação Premiada Mal Utilizada
A delação premiada é uma ferramenta valiosa, criada para desmantelar organizações criminosas e combater a corrupção de maneira mais eficaz. No entanto, seu uso exige responsabilidade e critérios rigorosos. Quando mal aplicada, ela deixa de ser um mecanismo de justiça para se tornar uma arma de manipulação.
No caso de Mauro Cid, a fragilidade do depoimento é evidente. A repetição de expressões vagas, a falta de lembrança sobre pontos cruciais e o uso frequente de termos que denotam incerteza indicam que a delação pode ter sido construída sob pressão ou sem o devido rigor. Isso levanta dúvidas não apenas sobre o depoente, mas também sobre a condução do processo que o envolveu.
O Perigo da Justiça Baseada em Narrativas
O que Caporezzo denuncia, de forma implícita, é algo cada vez mais perceptível no cenário político e jurídico brasileiro: o avanço de uma “justiça narrativa”. Em vez de provas concretas, versões dos fatos são oferecidas como verdades absolutas, contanto que estejam alinhadas com determinadas agendas ou interesses.
Esse fenômeno é perigoso. Quando o direito deixa de ser aplicado com base em provas e passa a depender de suposições ou deduções, o próprio Estado de Direito se fragiliza. Não é à toa que o parlamentar mineiro afirma que a democracia está sangrando — não por tiros ou tanques, mas por decisões judiciais baseadas em relatos incoerentes, frágeis e duvidosos.
A Responsabilidade dos Órgãos de Justiça
O Ministério Público, a Polícia Federal e o Poder Judiciário têm um papel crucial na apuração dos fatos e na aplicação da lei. Porém, também têm a responsabilidade de filtrar o que é uma colaboração válida e o que é, simplesmente, um conjunto de conjecturas sem fundamento.
Quando uma delação como a de Mauro Cid é aceita e ganha repercussão sem a devida crítica, os órgãos responsáveis precisam se perguntar: estamos fazendo justiça ou apenas atendendo aos clamores midiáticos e políticos?
O Que Está em Jogo
Muito mais do que a reputação de um delator ou de figuras públicas, o que está em jogo é a confiança da população no sistema de justiça. A cada decisão baseada em delações frágeis, essa confiança é corroída. E, sem confiança, não há justiça possível — apenas mais polarização, mais incerteza e mais espaço para arbitrariedades.
A fala de Cristiano Caporezzo, por mais incisiva que seja, representa um grito de alerta. É um convite à reflexão, à análise crítica e ao compromisso com a verdade. Em tempos em que a palavra “democracia” é usada com tanta frequência, é fundamental lembrar que ela só se sustenta quando o direito é aplicado com responsabilidade e imparcialidade.
Conclusão: O Direito Não Pode Ser Reduzido a Suposições
Delações premiadas precisam ser ferramentas da verdade, não instrumentos da dúvida. Quando um depoente como Mauro Cid repete dezenas de vezes que “acha”, “não sabe” ou “não se lembra”, é necessário repensar o valor desse testemunho no processo judicial.
Cristiano Caporezzo, ao expor os números da delação, lança luz sobre um problema profundo: estamos permitindo que conjecturas tenham o mesmo peso que provas? Se a resposta for sim, então é preciso reconhecer — e corrigir — esse caminho perigoso. Pois, como afirmou o deputado, quando o direito vira objeto de dedução, a democracia sangra. E cada vez mais em silêncio.
A FARSA DE MAURO CID EM NÚMEROS:
“Eu acho” 98 vezes.
“Não sei” 132 vezes.
“Não me lembro” 18 vezes.
“Não me recordo” 14 vezes.
“Provavelmente” 11 vezes.“Foi uma dedução”… Quando o direito vira objeto de dedução, a Democracia sangra em silêncio. pic.twitter.com/k7wIuEI2vY
— Cristiano Caporezzo (@caporezzodm) June 10, 2025