Durante uma sessão decisiva no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Flávio Dino se manifestou de forma contundente ao comentar indiretamente declarações feitas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O contexto da discussão era a responsabilidade das plataformas digitais sobre os conteúdos publicados por seus usuários, tema que tem ganhado destaque devido ao impacto crescente das redes sociais na disseminação de informações — e, muitas vezes, de desinformações.
A resposta de Dino foi motivada por falas recentes de Bolsonaro, que, no dia anterior, havia tentado associar críticas feitas por Dino no passado ao atual debate sobre a legitimidade das eleições e a propagação de notícias falsas.
O Contexto das Declarações
Na terça-feira, 10 de junho, Jair Bolsonaro prestou depoimento como réu em uma ação penal no STF. Durante sua fala, o ex-presidente buscou relativizar suas declarações passadas sobre o sistema eleitoral brasileiro, citando outras figuras públicas que, segundo ele, também já haviam questionado a integridade das eleições. Um dos nomes mencionados foi o de Flávio Dino, que, em 2010, ao disputar o governo do Maranhão, teria manifestado insatisfação com o processo eleitoral.
Segundo Bolsonaro, Dino teria dito na época: “Hoje, fui vítima de um processo que precisa ser aprimorado” e, ao ser questionado se acreditava na existência de fraude, teria respondido: “Houve várias fraudes”. Com isso, o ex-presidente tentou construir uma linha de continuidade histórica entre suas próprias críticas ao sistema eleitoral e declarações semelhantes feitas por políticos de outros períodos.
A Resposta de Flávio Dino: Diferença Entre Crítica e Mentira
Embora não tenha citado Bolsonaro nominalmente, o ministro Flávio Dino fez questão de refutar a tentativa de equiparar críticas legítimas à democracia com a disseminação deliberada de desinformação. Em sua fala durante o julgamento no STF, Dino pontuou que há uma distinção clara entre opiniões divergentes e mentiras intencionais, e que essa diferença não pode ser ignorada.
“A mentira existe. E ela pode ser profundamente nociva, como mostrarei com o trecho do meu voto”, afirmou Dino, sinalizando que sua posição não se baseia em percepções subjetivas, mas em fundamentos jurídicos e éticos. Para o ministro, tentar igualar falas críticas, mas dentro dos limites democráticos, com a propagação de teorias conspiratórias sem base fática é uma distorção perigosa.
O Limite Entre Opinião e Falsidade
Dino foi direto ao afirmar que nem tudo pode ser tratado como uma simples questão de opinião. “É falso que tudo é uma questão de opinião. Você imaginar que a Justiça Eleitoral não funciona tão bem como você gostaria é absolutamente legítimo. Contudo, dizer que há uma sala escura no TSE, onde magistrados manipulam o código-fonte, não é opinião. É uma mentira. E uma mentira tipificável”, declarou o ministro.
Com essa fala, ele ressaltou que existe uma linha divisória entre a liberdade de expressão e o cometimento de crimes, como calúnia, difamação e incitação ao desrespeito às instituições democráticas. Segundo Dino, ao ultrapassar esse limite, os autores dessas falas devem ser responsabilizados, especialmente quando essas declarações ganham alcance massivo por meio das plataformas digitais.
O Papel das Redes Sociais na Disseminação de Desinformação
O julgamento no STF não se restringiu à troca de falas entre os ministros e figuras públicas. O tema central da sessão era a responsabilização das plataformas digitais pelos conteúdos que permitem circular em seus ambientes. A discussão envolve a compreensão do papel das empresas de tecnologia na prevenção e combate à propagação de discursos que atentam contra a democracia e a verdade.
Dino destacou que, em muitos casos, a infraestrutura tecnológica tem sido usada como escudo para proteger a disseminação de mentiras. Ele argumentou que, embora a liberdade de expressão deva ser preservada, essa liberdade não pode servir de justificativa para permitir a propagação de informações sabidamente falsas, especialmente quando isso coloca em risco o funcionamento das instituições democráticas.
Bolsonaro e a Estratégia da Comparação Histórica
A tentativa de Bolsonaro de justificar suas ações passadas por meio de comparações com outras figuras políticas faz parte de uma estratégia conhecida no meio político: relativizar atitudes questionáveis ao colocá-las ao lado de comportamentos semelhantes — ainda que descontextualizados — de outros líderes.
No entanto, segundo especialistas, essa abordagem falha em reconhecer nuances fundamentais. Uma coisa é apontar deficiências em processos eleitorais ou sugerir melhorias no sistema. Outra muito diferente é lançar acusações infundadas de fraude, sem apresentar qualquer tipo de prova ou indício, e ainda assim usar essas acusações para questionar a legitimidade de resultados eleitorais.
O Voto de Flávio Dino: Defesa da Democracia e da Verdade
Durante seu voto, Dino fez questão de se posicionar em defesa da democracia e da importância da verdade no debate público. Ele enfatizou que a Justiça não pode permitir que mentiras deliberadas sejam tratadas com o mesmo peso que críticas construtivas.
Ao defender a responsabilização de quem propaga desinformação, Dino sublinhou que o Estado brasileiro tem o dever de proteger a sociedade contra narrativas enganosas que podem enfraquecer a confiança nas instituições.
O Caminho da Regulação Digital
O STF se encontra hoje diante do desafio de equilibrar dois valores fundamentais: a liberdade de expressão e a proteção da verdade. A discussão sobre a responsabilidade das plataformas digitais não é trivial. Ela envolve questões legais, tecnológicas e éticas que exigem respostas cuidadosas e coerentes com os princípios constitucionais.
Ministros como Flávio Dino vêm defendendo que as plataformas não podem se eximir de sua responsabilidade, principalmente quando permitem que conteúdos deliberadamente falsos se espalhem, contribuindo para crises institucionais e para o enfraquecimento da democracia.
Considerações Finais
O embate indireto entre Bolsonaro e Dino, ainda que simbólico, reflete uma disputa maior que ocorre no Brasil e em outros países: o enfrentamento entre a desinformação e o compromisso com a verdade. O julgamento no STF pode marcar um ponto de inflexão na forma como o país encara essa questão.
Ao deixar claro que há uma diferença objetiva entre crítica legítima e mentira criminosa, Flávio Dino contribui para estabelecer um marco importante no debate público — um marco que pode servir de base para decisões futuras sobre o uso responsável da liberdade de expressão na era digital.