O general da reserva Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante o governo de Jair Bolsonaro, prestou depoimento nesta terça-feira (10) no Supremo Tribunal Federal (STF). A audiência integra a ação penal que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado com o objetivo de manter Bolsonaro no poder após a derrota nas eleições presidenciais de 2022.
Durante a oitiva, Heleno adotou uma postura estratégica: decidiu permanecer em silêncio diante das perguntas feitas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF, mas respondeu apenas aos questionamentos feitos por seu próprio advogado de defesa, Matheus Mayer Milanez. A escolha pela chamada “fala seletiva” é uma prerrogativa garantida a investigados no sistema jurídico brasileiro, e tem sido utilizada por outros réus em casos sensíveis.
Silêncio diante de Alexandre de Moraes causa reação inusitada
Ao ser interpelado diretamente pelo ministro Alexandre de Moraes, Heleno recusou-se a responder, optando pelo silêncio. A atitude do general gerou um momento curioso na audiência. Com uma expressão de surpresa misturada a sarcasmo, Moraes reagiu à negativa de Heleno com um comentário bem-humorado: “Horário do almoço está longe”, disse o ministro, entre risos. O episódio ganhou destaque nos corredores do Supremo e repercutiu nas redes sociais, com internautas debatendo a postura de ambos.
Apesar do tom descontraído da observação, a reação de Moraes também foi interpretada como uma forma de expor o clima tenso e estratégico do depoimento, além de refletir o cansaço com a insistente recusa dos investigados em prestar esclarecimentos ao STF.
A investigação sobre tentativa de golpe
O depoimento de Augusto Heleno faz parte de uma série de diligências realizadas no âmbito da investigação conduzida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pela Polícia Federal (PF) que apura uma possível tentativa de golpe para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva após a eleição de 2022.
Segundo as investigações, documentos e mensagens interceptadas sugerem que houve articulações entre militares da reserva, integrantes do governo Bolsonaro e aliados políticos com o objetivo de contestar o resultado das urnas e fomentar atos antidemocráticos. Entre os alvos da apuração estão o próprio Bolsonaro e outros membros do alto escalão do governo anterior.
Heleno, como uma das figuras mais próximas do ex-presidente, foi citado como possível participante ou ao menos conhecedor das discussões sobre a viabilidade de um decreto de estado de sítio ou de uma possível intervenção militar. No entanto, até o momento, ele nega envolvimento com qualquer articulação dessa natureza.
Defesa argumenta que Heleno está sendo tratado como réu sem provas
Durante sua fala no Supremo, o advogado Matheus Milanez Milanez, que representa Heleno, reforçou a tese de que seu cliente está sendo injustamente implicado em uma investigação baseada em suposições. Segundo Milanez, o general não participou de reuniões clandestinas nem incentivou movimentos antidemocráticos. A defesa sustenta que o silêncio de Heleno diante das perguntas do ministro não implica em culpa, mas sim no exercício de um direito constitucional.
“A decisão de responder apenas às perguntas da defesa é legítima e visa resguardar o direito de defesa diante de um cenário judicial carregado de especulações”, afirmou Milanez. Ele também ressaltou que Heleno sempre agiu dentro da legalidade e que sua atuação à frente do GSI foi marcada pela lealdade institucional às Forças Armadas e à Constituição.
Silêncio como estratégia jurídica
O silêncio parcial adotado por Heleno segue uma tendência entre investigados em operações que envolvem figuras políticas e militares. Em ações penais complexas, advogados muitas vezes recomendam que seus clientes falem apenas com a própria defesa como forma de evitar armadilhas jurídicas, contradições ou a produção de provas contra si mesmos.
Esse tipo de estratégia tem sido recorrente em depoimentos prestados ao STF e à Polícia Federal, especialmente quando os casos envolvem múltiplos réus e grande repercussão midiática. O próprio Supremo já reconheceu, em diversas decisões, que o silêncio não pode ser interpretado como admissão de culpa.
O papel de Heleno no governo Bolsonaro
Augusto Heleno foi um dos primeiros generais a aderir ao projeto político de Jair Bolsonaro. Ainda na pré-campanha de 2018, Heleno já fazia parte do círculo mais próximo do então candidato. Com a vitória nas urnas, foi nomeado para o comando do GSI, órgão responsável pela segurança presidencial e pela gestão de informações estratégicas do Estado.
Durante o governo, Heleno ganhou destaque por seu estilo direto e por defender publicamente posições alinhadas com as de Bolsonaro, incluindo críticas ao Supremo Tribunal Federal e a outras instituições. Chegou a ser visto como uma das vozes mais influentes entre os militares que ocupavam cargos no governo federal.
No entanto, sua presença constante nos bastidores do poder agora é usada pelos investigadores como indicativo de que ele poderia ter conhecimento privilegiado sobre eventuais articulações para questionar o processo eleitoral de 2022.
Próximos passos da investigação
O inquérito em curso no STF ainda tem muitas etapas a serem cumpridas. Além do depoimento de Heleno, outras autoridades e ex-integrantes do governo Bolsonaro devem ser ouvidas. A expectativa é que novas diligências, inclusive quebra de sigilos e perícias em dispositivos eletrônicos, possam ajudar a esclarecer a extensão e a profundidade das articulações suspeitas.
Por ora, o silêncio parcial do general Heleno é visto como um movimento cauteloso, típico de quem busca evitar maiores complicações judiciais. Resta saber se a estratégia será suficiente para protegê-lo de uma possível denúncia formal ou se o desenrolar da investigação trará novos elementos que justifiquem um indiciamento.
Conclusão: silêncio que fala alto
O depoimento de Augusto Heleno no STF, marcado por sua decisão de se calar diante de perguntas incômodas, representa mais um capítulo na complexa e delicada apuração sobre os desdobramentos do pós-eleição de 2022. Embora silencioso, o gesto foi carregado de significado político e jurídico, revelando os cuidados adotados pelos investigados diante de uma das maiores investigações da história recente da República.
Enquanto a Justiça avança em busca de respostas, o país acompanha, atento, os bastidores do que pode ter sido uma das mais sérias ameaças à democracia brasileira desde a redemocratização.