A tensão política no Brasil atingiu um novo patamar com a recente condenação da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mas o que surpreendeu a muitos foi que a crítica mais contundente à decisão não veio da base bolsonarista — como era de se esperar — mas sim de um setor da própria esquerda: o Partido da Causa Operária (PCO). Em nota oficial, o partido acusou o STF de agir de forma autoritária e de promover perseguição política. Essa declaração joga luz sobre um tema que tem gerado desconforto até entre os que tradicionalmente se alinham à esquerda: o papel do Judiciário nas disputas políticas.
PCO afirma que STF promove perseguição política
Em sua nota pública, o PCO classificou a condenação de Zambelli como “claramente persecutória” e alertou para o risco crescente de que opositores políticos acabem sendo forçados ao exílio. Para o partido, não há elementos legais sólidos que justifiquem a decisão da Corte, e a movimentação da Procuradoria-Geral da República (PGR), que solicitou a prisão da deputada após sua saída do país, seria uma tentativa de intimidar qualquer um que conteste o atual arranjo de poder.
Segundo o PCO, “ninguém é obrigado a permanecer em um país para ser perseguido”. Eles destacam que, do ponto de vista legal, fugir da prisão — por si só — não é considerado um crime adicional. Assim, a decisão de Zambelli de deixar o Brasil seria compreensível diante do que consideram um sistema de justiça politicamente motivado.
A segunda parlamentar exilada?
O partido ainda comparou o caso de Zambelli com o de outros políticos que, recentemente, deixaram o Brasil após enfrentarem decisões judiciais consideradas abusivas. Sem citar nomes diretamente, a legenda denunciou um cenário onde o STF estaria conduzindo uma espécie de “limpeza política”, eliminando vozes dissidentes por meio de instrumentos jurídicos, e criando uma situação de exílio forçado para parlamentares eleitos democraticamente.
Esse tipo de crítica não é nova dentro do discurso do PCO, que já apontou o Judiciário como um dos grandes protagonistas do que chama de “regime de exceção”, instaurado desde o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. O tom, no entanto, chamou atenção por vir em defesa de uma deputada ligada à extrema direita.
Um “crime” moldado com criatividade
A nota também questionou a validade dos crimes imputados à deputada. Um dos pontos abordados é o suposto porte ilegal de arma. Para o PCO, a acusação é contraditória, já que Zambelli possuía legalmente o porte da arma em questão. Segundo o entendimento do STF, o porte teria se tornado “ilegal” por causa da forma como foi utilizado, o que o partido ridicularizou como uma “obra de arte jurídica”. Com ironia, afirmaram que “nem Michelangelo teria tanta criatividade” para construir uma interpretação legal tão flexível.
Essa crítica escancara o entendimento do partido de que o Judiciário tem ido além de sua função constitucional, assumindo papel legislativo e impondo sanções com base em argumentos que extrapolam os limites legais.
Manipulação do sistema eleitoral
Outro ponto levantado pela nota do PCO foi o impacto político das ações do Judiciário no sistema eleitoral. A legenda revelou preocupação com o processo em andamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode resultar na cassação do diploma parlamentar de Zambelli. Caso a decisão se concretize, os votos dados a ela seriam anulados, o que poderia fazer com que o PL perdesse mais de um assento na Câmara dos Deputados em São Paulo.
Para o partido, isso configura uma manipulação clara da representatividade parlamentar, pois interfere diretamente no resultado das urnas. Ao não permitir que os votos obtidos sejam convertidos em representação, o TSE estaria desrespeitando a vontade popular expressa nas eleições.
Críticas também à esquerda tradicional
O PCO não poupou críticas a outros setores da esquerda, que, segundo o partido, continuam a apoiar cegamente decisões do Judiciário, acreditando que isso trará resultados positivos no combate ao bolsonarismo. “Mas não vai dar”, alerta a nota. Para os militantes da causa operária, essa postura ingênua apenas fortalece um sistema autoritário que, mais cedo ou mais tarde, se voltará contra todos que ousarem desafiar o status quo.
Esse tipo de crítica já é comum na atuação do PCO, que se posiciona como um grupo de esquerda radicalmente independente, contrário tanto ao bolsonarismo quanto à aliança institucional entre o PT e setores do Judiciário e da grande mídia.
O dilema da esquerda: liberdade ou vingança?
O caso de Zambelli escancarou um dilema que percorre a esquerda brasileira: até que ponto é legítimo recorrer ao Judiciário como instrumento de punição política? Para o PCO, esse caminho é perigoso e acaba alimentando um Estado autoritário que não respeita a democracia, independentemente da ideologia de quem está no banco dos réus.
A defesa da liberdade de expressão e da autonomia política, mesmo para adversários ideológicos, é um princípio que o PCO reivindica como fundamental para qualquer regime democrático. E, nesse sentido, alertam: hoje é Zambelli, amanhã pode ser qualquer um que ouse discordar do sistema.
Um cenário preocupante para a democracia
Ao tomar uma posição tão contundente, o PCO levanta um debate urgente e desconfortável para o campo progressista: a quem serve um Judiciário que atua politicamente? Para o partido, o que está em jogo não é apenas a liberdade de uma deputada conservadora, mas os fundamentos do próprio regime democrático.
A esquerda, historicamente vítima de perseguições, agora se vê dividida entre o desejo de revanche contra seus antigos algozes e o compromisso com princípios democráticos universais. O alerta do PCO, nesse contexto, não pode ser ignorado.